Abrir portas também traz feridas. Situações que Sissi atravessou durante um período no qual o preconceito sobre o futebol feminino era muito maior. E ela, com orgulho, jamais se intimidou com os olhares ou os comentários. Ela tinha um sonho. E isso era tudo.
"Eu sofri muito. Recebi várias críticas por eu nunca ter me encaixado naquele perfil de ser uma jogadora que as pessoas queriam. Eu nunca me moldei, queriam me colocar em uma caixa e eu nunca aceitei isso", contou Sissi, em entrevista exclusiva ao Flashscore.

A ex-jogadora da Seleção Brasileira Feminina sabe que pagou um preço. Mas se fosse possível voltar no tempo, Sissi não tem dúvidas. "Se tivesse que fazer tudo novamente eu faria", destaca a ex-jogadora.
"Foram anos de sacrifício, de conquistas, de perseverança. A gente teve que sobreviver de uma certa forma, tivemos que deixar muitas coisas de lado. Mas hoje as meninas estão podendo ter condições melhores", acrescentou Sissi.
Obstáculos
Sissi tem um espírito livre. E quem contesta, destoa e incomoda, muitas vezes está à margem. Mas também marca história. Ela pode ter se despedido dos gramados sem a pompa que merecia no seu país de origem, mas é uma lenda do futebol feminino brasileiro.

No dia do pontapé inicial da Copa do Mundo na Austrália e na Nova Zelândia, o Flashscore traz uma entrevista especial com a ex-jogadora, que hoje contempla a evolução da modalidade, especialmente no Brasil, e se maravilha. Ela e suas companheiras passaram por poucas e boas.
"Hoje é tudo bem diferente. Que diferença!", reforça em meio a um breve suspiro.
"É bom ver (essa diferença) porque mostra como tudo evoluiu. Mas a gente não pode esquecer o que fizemos no passado. A gente não pode esquecer aquela geração para enaltecer a atual. Foi graças àquela geração que hoje as meninas podem desfrutar do que têm. Elas ainda não estão desfrutando do patamar que eu acredito que o futebol feminino mereça, mas lá atrás plantamos a semente", observou a ex-jogadora.

E foram vários os obstáculos. Sissi contou um pouco das aventuras que ela e suas companheiras viveram, especialmente com a Seleção Brasileira Feminina.
"Hoje vendo a delegação indo de voo fretado (para a Copa do Mundo, algo inédito) e pensando nos lugares que tivemos que ficar. Algumas vezes ficávamos na fazenda para poder treinar, não foi fácil. Quando conseguíamos a Granja (Comary, o CT da Seleção Brasileira) para poder treinar, se tivesse alguma atividade do masculino, tínhamos que sair de lá", recorda.
"A gente chegou a usar o uniforme do masculino e era o que tinha, porque não tínhamos um material adequado para poder treinar ou jogar", acrescentou.
O preço que se paga

Hoje ao ver as mulheres se posicionando com tanta propriedade no futebol feminino, exigindo mudanças, cobrando posturas de suas respectivas federações e também da FIFA, Sissi celebra o empoderamento e se recorda de um tempo em que a lei do silêncio imperava na Seleção Brasileira.
"Na minha época era assim, se você falasse, você não era mais convocada. Não podíamos falar muito, porque se questionássemos, talvez não teríamos a oportunidade de voltar mais".
Sissi, então, falou.

"Na minha última passagem pela Seleção, eu não fui mais convocada porque comecei a questionar. Eu não fiz isso só por causa da Sissi. A gente viveu um período de opressão, em que você não podia dar declarações, não poderia falar o que acontecia no dia a dia. Não tínhamos outras opções. A gente jogou por amor mesmo", salienta a ex-atleta.
"Foram anos passando por situações desagradáveis. Hoje a gente fala muito mais porque talvez tenhamos mais liberdade, estamos à vontade para falar mais. Mas eu cheguei a pagar um preço alto por isso. O posicionamento dessas atletas está mais fácil, acho difícil hoje alguém não convocar uma jogadora por expor suas opiniões. Mas, na nossa época, a situação era totalmente diferente. Pagamos um preço", refletiu Sissi.
Os olhares que condenam
Sissi também enfrentou o preconceito: a jogadora dos cabelos curtos. Um tabu à época e que atraía para si olhares que condenavam. "Na minha época foi bem pior porque se visava muito o lado da imagem da jogadora. O jeito que ela se vestia, o cabelo", relatou a ex-camisa 10 brasileira.

Sissi sofreu ataques durante seu período na Seleção por ter deixado o cabelo curto em homenagem a uma criança que lutava contra um câncer e sofria bullying. "Ninguém sabia o porquê do meu cabelo", conta Sissi, que reforça o quanto todas essas situações moldaram o seu caráter.
"Eu passei por situação desagradáveis, mas me tornei uma mulher muito mais forte, graças a Deus. Eu tive uma fundação muito boa. O futebol pra mim sempre foi uma arte e eu estava concentrada em apenas fazer o que eu amava fazer", destacou.
"Vai ser a maior Copa de todas"
E foi fazendo do futebol uma arte que Sissi foi longe. Esteve na Copa do Mundo de 1995 e brilhou no Mundial de 1999, nos Estados Unidos, quando colocou o Brasil na semifinal após marcar o gol de ouro na batalha contra a Nigéria. Uma cobrança de falta magistral. A Seleção terminou aquela disputa em terceiro lugar.

Vivendo nos Estados Unidos há 22 anos, Sissi, atualmente diretora técnica do Walnut Creek Surf Soccer Club, na região da Bay Area, na Califórnia, aguarda com ansiedade mais uma edição de Copa do Mundo. E ela não tem dúvidas de que este torneio caminha para ser histórico.
E ela tem lugar de fala. Afinal de contas, esteve lá atrás, em 1988, quando uma competição embrionária do que viria a ser a Copa com a chancela da FIFA foi disputada. O torneio deu início ao sonho do que hoje é uma realidade mais do que tangível. Pioneira.
"Eu estou bastante feliz e estou naquele momento de ansiedade. Acho que essa vai maior a Copa, uma das melhores edições já disputadas, até por causa do crescimento do futebol feminino no mundo todo".

Ao Flashscore, ela apontou suas favoritas ao título.
"Inglaterra, Estados Unidos, Austrália particularmente, o Brasil, e fico em dúvida entre Alemanha e França. Acho que a Alemanha, por ser a Alemanha, é sempre uma seleção muito forte", analisa.
"Creio também que a Espanha pode surpreender, porque tem um futebol muito técnico, mas vem também desfalcada de jogadoras principais. A Austrália é como uma zebra. É que a gente sempre fala EUA e tal. Mas, sei lá, acho que talvez Austrália, por jogar em casa, possa ir longe na competição", aposta a ex-jogadora da Seleção.