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FlashFocus: Porto tenta emplacar nova fase com mudança de técnico embalada por traição

Vítor Bruno foi despedido do comando técnico do Porto
Vítor Bruno foi despedido do comando técnico do PortoLUSA
Campeão nacional e da Liga Europa em 2010/11, André Villas-Boas regressou ao Porto enquanto presidente prometendo uma nova era de mudanças drásticas e estruturais no clube sucedendo a um reinado de 40 anos do seu antecessor, o presidente mais titulado do mundo. A tarefa, na teoria, já era difícil, mas quando promoveu o ex-auxiliar de Sérgio Conceição para o cargo principal, tornou-se explosiva. Entretanto, Vítor Bruno já foi despedido, o clube definha no terceiro lugar e corre o risco de ficar fora da próxima fase da Liga Europa. Para o seu lugar, a aposta vem do México.

Os Dragões já saberiam que a temporada 2024/25 ia ser muito complicada desde abril, quando o reinado de 40 anos recheado de títulos de Pinto da Costa (PdC) foi substituído por um ex-treinador que teve a melhor temporada da história recente - e talvez de sempre - do Porto, mas cuja promessa de lealdade durou apenas uma semana até o Chelsea bater à porta, no final da temporada 2010/11. Falamos de André Villas-Boas (AVB).

Aparecendo como salvador após cerca de 15 anos de decisões conturbadas, estranhas e prejudiciais dos interesses do clube, o mandato de AVB começou com promessas de limpeza da má-gestão e uma boa telenovela: houve ou não traição?

Sérgio Conceição aliou-se a Pinto da Costa e ancorou o seu futuro ao antigo dirigente portista, deixando AVB com o dificílimo dossiê da sucessão nas mãos. A escolha recaiu sobre o auxiliar Vítor Bruno que, meses antes, parecia estar de saída para outro projeto. 

O novo técnico sabia que a rédea seria curta. Ainda antes da temporada começar, o vestiário  tinha perdido algumas das maiores figuras como Pepe e Francisco Conceição, além de Taremi e Evanilson, o que deixou o time órfão de líderes, a defesa com buracos por preencher e um ataque sem dentes.

Apesar da falta de dinheiro - alegamente a nova administração encontrou apenas oito mil euros nas contas do clube -, a estrutura fez um esforço para complementar o plantel com nomes fortes, de forma a estabilizar o barco, dar alguma confiança e preparar o futuro. 

Porém, Vítor Bruno queria deixar a sua marca dentro e fora do vestiário e tentou reaproveitar antigos jogadores de Conceição como Fran Navarro, David Carmo, Toni Martínez, André Franco e Iván Jaime. Apenas os dois últimos continuam no plantel e o último nem sequer foi convocado para os três compromissos mais recentes. 

O pior registro em 16 anos... duas vezes

Apesar de um início apoteótico com uma improvável conquista da Supertaça diante do Sporting, a verdade é que lentamente o treinador começou a perder o grupo e a equipe tremeu nos jogos mais importantes. As derrotas para Bodo/Glimt, Benfica, Lazio, Sporting (duas vezes), Moreirense e a mais recente série de resultados mostraram uma equipe à deriva, incapaz de agir e reagir. 

Sem convencer dentro das quatro linhas, o treinador ficava ainda mais sem ambiente quando falava ao público, muitas vezes mandando recados não muito bem recebidos pelo plantel. Na sua apresentação, questionado sobre a cisão com Sérgio Conceição, Vítor Bruno atirou: "Adormeço todos os dias sob o aplauso da minha consciência". Ou quando, em resposta à contestação de que foi alvo em outubro, disse: "Só conheço uma pessoa que fez a vida a dar passos para trás, que foi o Michael Jackson". 

O floreado bonito, sarcástico e desnecessário perante o público era uma contradição autêntica com o que se via dentro de campo. Nem as vitórias serviam para encontrar um terreno comum, porque a equipe não convencia, não era consistente e continuava a acumular erros. Em novembro, o clube somou três derrotas seguidas pela primeira vez em 16 anos. 

Apesar de tudo isto, o Porto entrou em 2025 buscando o título da Taça da Liga e querendo a liderança isolada do campeonato. A derrota nas semifinais da Taça da Liga para o Sporting (1-0), em mais uma exibição pobre, foi atenuada pelo fato de o clube poder voltar à liderança isolada do campeonato pela primeira vez em dois anos e meio, caso vencesse um Nacional ameaçado pelo rebaixamento. 

Dois minutos após o recomeço do jogo - que havia sido interrompido pelo nevoeiro -, os Dragões já estavam perdendo. Até ao intervalo, num jogo que era de vitória obrigatória, o Porto não deu qualquer chute e o resultado não se alterou no segundo tempo.

Na rodada seguinte, na visita ao Gil Vicente, os Dragões começaram perdendo, empataram logo após o intervalo e, quando pareciam perto da virada, cometeram mais um erro defensivo e sofreram o 2 a 1. Novamente três derrotas seguidas, a segunda série na mesma temporada, algo que não era visto há 52 anos.

Os últimos 15 jogos de Vítor Bruno no FC Porto
Os últimos 15 jogos de Vítor Bruno no FC PortoFlashscore

Plantel venceu o jogo da corda

Tal como já tinha feito anteriormente com Otávio, Alan Varela, Iván Jaime e Fábio Vieira, o treinador quis mostrar ao plantel que ninguém é insubstituível e deixou Pepê de fora da relação após más exibições. No pós-jogo, Vítor Bruno disse que Pepê se "autoexcluiu" pela falta de compromisso. O atacante brasileiro respondeu através das redes sociais, dizendo que treinou separado durante toda a semana porque havia chutado com força excessiva em um mini-gol, durante um treino. 

Houve ainda outras citações dignas de destaque, como a justificativa da derrota com um simples "faltou marcar mais gols" e ainda que a equipe "está a ser muito castigada nos erros". Mas, horas depois, em reunião entre dirigentes e plantel na chegada ao Estádio do Dragão, o clube comunicou a demissão do treinador. 

Na segunda-feira (20) Vítor Bruno deixou o comando técnico do Porto, somando uma Supertaça de Portugal, 19 vitórias, três empates e oito derrotas.

Lei de Murphy

José Ferreirinha Tavares foi o escolhido para ocupar o cargo de forma interina e preparar o duelo com o Olympiacos, na quinta-feira (23). Apesar da boa entrada, os Dragões sofreram um apagão geral ao fim de 15 minutos e acabaram perdendo perdendo por 1 a 0.

Além de comprometer o futuro na competição, a quarta derrota consecutiva igualou o pior registo da história do clube (a primeira e única vez que aconteceu foi há 60 anos) e levou o presidente à coletiva de imprensa no final do jogo. Além de assumir a responsabilidade pelo mau momento e confirmar o nome do próximo treinador, AVB revelou que Pepê, apesar de ter sido titular, iria ser alvo de um processo disciplinar pela publicação feita nas redes sociais

Tentando colocar água na fervura e dar a cara pelo mau momento, a intervenção pouco adiantou para acalmar os ânimos e a decisão sobre o atacante brasileiro só serviu para confirmar uma coisa: onde há fumaça, há fogo.

A pré-temporada, o planejamento com chegadas tardias de reforços-chave e um estilo de jogo que ainda procurava a sua verdadeira identidade não ajudaram em uma transição suave. A falta de opções no mercado de um candidato claro deixaram AVB e o diretor desportivo, Andoni Zubizarreta, em pior posição do que no início da temporada.

Os azuis e brancos precisam de um treinador que una o vestiário e cative os torcedores, saiba extrair o máximo potencial de jovens, trabalhe com um orçamento limitado e, acima de tudo, volte a criar uma fortaleza defensiva. Sarri, Xavi, Abel Ferreira, Luís Castro e Paulo Fonseca foram nomes que ecoaram na imprensa portuguesa como possíveis sucessores. A escolha, no entanto, é mais um coelho tirado da cartola, com direito à polêmica. 

Cabeza, corazón y cojones

Quién llenará de primaveras este enero? ('Quem vai encher este janeiro de primaveras?'), questionava Alejandro Sainz num tema que embalou millenials e gen z no final do século passado. Para remendar o coração partido dos portistas depois do pior mês de janeiro da história, o novo salvador chega da Argentina, com uma coragem de ferro e uma inteligência, dizem, ao nível de El Loco

O argentino Martín Anselmi nunca chegou a ser jogador profissional. Foi jornalista até se desencantar com a profissão e decidiu tornar-se treinador. Vendeu sua moto para ter a oportunidade de viajar para a Europa e conhecer o ídolo e mentor Marcelo Bielsa, voltando à Argentina para começar a carreira por baixo, trabalhando com jovens, sem receber e com a ajuda da mulher. 

Alguns anos e experiências depois, venceu o campeonato do Equador e a Sul-Americana pelo Independiente del Valle. As últimas duas temporadas no Cruz Azul tornaram-no um ídolo agora sem moral no clube mexicano, que o acusa de traição e fazendo questão de dificultar sua saída. A verdade é que o técnico desde cedo fez saber a sua intenção de rumar ao Porto, para onde quer transportar o seu 3-4-3. 

Aos 39 anos, o bielsista parte agora para a sua primeira experiência na Europa para tentar reerguer outro gigante caído. Espera-se que Martín Anselmi tenha cabeça, não só para o futebol europeu, mas principalmente para lidar com o melodrama e jogo de bastidores do futebol português

O treinador não deve chegar a tempo de estrear contra o Santa Clara, no domingo. Pior ainda, em vez de se apresentar diante dos torcedores, deverá ter um batismo de fogo na viagem até ao Maccabi Tel Aviv, na próxima quinta-feira, em jogo de tudo ou nada dos Dragões na Liga Europa. Haverá melhor altura do que esta para uma pequena mão de Deus?