Esta é uma saga carioca. De um time que serviu como base da Seleção Brasileira em Copas do Mundo, e que teve em seus quadros grandes talentos geracionais, como Garrincha, um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, Didi, Nilton Santos, Zagallo, Jairzinho, Paulo César Caju, Amarildo, e tantos outros.
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A era mais vitoriosa do Botafogo aconteceu na década de 1960. E a última grande conquista do Glorioso foi em 1995, quando Túlio Maravilha alcançou o status de ídolo pelos gols que conduziram o time à glória nacional.
Então veio o século 21. O Alvinegro foi rebaixado à segunda divisão em três oportunidades, a última em 2020. Já são quase três décadas sem a conquista de um título de expressão. O pior, porém, parece ter passado, e este "novo" Botafogo é protagonista, não mais um mero coadjuvante.
Épocas de "vacas magras" estão presentes na história do time, como quando permaneceu por 21 anos, entre o fim da década de 1960 e a de 1980, sem levantar uma taça sequer. O período perdurou entre o Campeonato Brasileiro de 1968 e o Campeonato Carioca de 1989.
Mas o que o clube atravessou antes da chegada da SAF foi uma crise institucional, que poderia ter levado o Botafogo à falência. No entanto, o Glorioso persistiu, tendo, muito antes dos milhões do empresário norte-americano John Textor, a paixão de sua torcida, que jamais abandonou o emblema carioca.
A salvação pela SAF
No dia 6 de agosto de 2021, o congresso brasileiro aprovou a Lei 14.193/2021, estimulando clubes de futebol a migrarem do status de associação civil sem fins lucrativos para um modelo baseado em normas de governança, controle e meios de financiamento específicos para a atividade do futebol. Nascia a lei da SAF, as Sociedades Anônimas no futebol brasileiro.
Tal tipo de gestão já era bastante comum no futebol europeu e em outros lugares do planeta. Mas só chegou ao Brasil recentemente. A legislação, obviamente, ainda carece de dispositivos fiscalizatórios e que tratem mais profundamente a questão do endividamento dos clubes.
Foi o ponto de partida para que alguns dos principais times de futebol do país se reerguessem, evitando o aprofundamento de suas pendências jurídicas e principalmente financeiras. O Botafogo foi um dos primeiros clubes do Brasil a optar pela adesão ao modelo SAF, transferindo os ativos relacionados à atividade futebolística para uma empresa. No caso, a Eagle Football Holdings, do norte-americano John Textor.
Uma aposta de risco
O empresário fechou a compra do Botafogo em meio à disputa da Série B do Brasileirão de 2021. Um investimento de R$ 400 milhões por 90% das ações da SAF alvinegra. John Textor não chegou ao Rio de Janeiro como um mero aventureiro do mundo da bola.
Antes de expandir seus negócios no Brasil, ele esteve perto de adquirir 25% das ações do Benfica. Porém, a negociação com o clube português não foi adiante. Mas, ainda em 2021, efetuou a compra de 18% do Crystal Palace, da Premier League, em um investimento de 87,5 milhões de libras, convertendo-se em um dos proprietários do time londrino.
No mesmo ano, adquiriu o Molenbeek, da segunda divisão da Bélgica. Atualmente, sua holding possui o Lyon. O norte-americano também almejou o Everton, mas sem sucesso.
O Botafogo, na condição que se encontrava, era uma aposta de risco, especialmente pelo péssimo estado de suas finanças e também da deterioração do patrimônio do clube. Textor, todavia, enxergou uma oportunidade. E foi especialmente amparado pela própria legislação brasileira. As dívidas contraídas pelos clubes no período em que eram apenas associações civis não seriam transferidas para as SAFs recém-criadas.
As novas empresas, responsáveis pela administração do futebol, contribuem, no modelo atual, com o pagamento dessas obrigações, nos limites estabelecidos pela lei, seja com 20% de suas receitas correntes mensais ou por meio de um pedido de recuperação judicial, no qual podem renegociar dívidas cíveis e trabalhistas, estabelecendo descontos, abatimento de créditos e pagamentos em novos prazos.
Da Série B à prateleira de cima
A resposta do Botafogo sob o comando de John Textor no campo desportivo é notória. Em 2021, o clube conquistou o acesso à elite do futebol brasileiro. Já no ano seguinte, terminou a competição em 10º lugar e cravou presença na Copa Sul-Americana, o segundo torneio de clubes mais importante do continente.
Veio então a temporada 2023, com o Botafogo já consolidado, avançando até as quartas de final da Sul-Americana e caindo na mesma fase da Copa do Brasil. O Glorioso teve uma campanha irretocável no primeiro turno do Brasileirão e era o virtual campeão, em título que o tiraria de uma fila histórica.
Mas o futebol tem sua via-crúcis e a torcida botafoguense assistiu, perplexa, à derrocada do time. O Brasileirão escapou das mãos do time carioca e caiu no colo do Palmeiras, o maior campeão nacional, após o Botafogo abrir 13 pontos na liderança.
Apesar de todo o sofrimento daquela campanha, era visível que o Botafogo havia se tornado um clube diferente. Com potencial para altos investimentos e de comando renomado, haja vista que um dos grandes motores da formação de um time cascudo na temporada passada foi o português Luís Castro, que deixou o Glorioso para treinar simplesmente Cristiano Ronaldo e cia no Al-Nassr.
Os números também refletem esta mudança de postura. Vencer no futebol brasileiro tornou-se uma questão de honra para John Textor depois do que experimentou em 2023, inclusive denunciando um suposto esquema de manipulação - não comprovado - como fator decisivo na perda do título nacional.
Classificado à Copa Libertadores de 2024 e com altíssimas pretensões, o empresário norte-americano cumpriu a promessa de ser agressivo, despejando R$ 347,35 milhões no mercado. Os destaques foram as chegadas de Thiago Almada, campeão mundial com a Argentina em 2022, e de Luiz Henrique, as duas maiores contratações da história do Brasil. Juntos, eles custaram cerca de R$ 244 milhões.
Além disso, o Botafogo foi um dos clubes brasileiros que mais contratou na última janela, somando oito reforços. O elenco foi reconstruído. E, apesar dos grandes investimentos, boa parte das novas aquisições chegou ao clube em condições favoráveis, como em término de contrato. Um trabalho de scout que contemplou o acerto com atletas que estavam no Brasil, na América do Sul, nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia.
Um único objetivo
Nem tudo é festa no Botafogo. O endividamento bilionário prossegue. Ações deverão ser tomadas para que o clube equilibre sua balança. Mas, neste momento, o Glorioso é, de fato, Glorioso. O obejtivo de 2024 é ser campeão. Não existe outra ambição dentro do clube. Todos os esforços estão concentrados em taças.
E, dentro de campo, sob o comando do técnico português Artur Jorge, o time vem performando em prol deste objetivo. Depois de 51 anos, o Botafogo está de volta às semifinais da Libertadores. E possui grandes chances de chegar à decisão. No Brasileirão, apesar da perseguição do Palmeiras, o time de 2024 é mais sólido e possui peças qualificadas para que a perda de ritmo, desta vez, passe longe.
Tudo que poderia ser feito, foi feito. E John Textor espera, enfim, viver a glória no Brasil. Seu Botafogo vem dando o que falar, e essa história merece ser acompanhada de perto. Um dos grandes destaques do futebol brasileiro nos últimos anos e que também pode consolidar as SAFs como um caminho sem volta no país do futebol.