A questão é que nos últimos tempos, a FIFA e, no caso do Brasil, a CBF e as federações locais, praticamente rasgaram o chamado calendário gregoriano, enfileirando jogos e campeonatos um atrás dos outros.

E o cenário, tanto o deste ano quanto o do próximo, indica uma piora ainda maior na vida dos jogadores, que não terão tempo de recuperação, e na dos treinadores que, quase sempre, não conseguem ter todo o elenco à disposição.

“É uma vergonha a CBF deixar (o Palmeiras) fazer oito jogos seguidos com dois ou três dias de descanso. É uma vergonha, isso é insano para todo mundo. No último jogo, o Athletico-PR ficou sem dois jogadores. Nós ficamos sem o Luan, que não sabemos o que vai acontecer, mais dois jogadores do Internacional. Será que isso não faz as pessoas refletirem?

"É uma vergonha o que fazem com os jogadores e ao futebol brasileiro. Uma vergonha, porque tem público top, jogadores de grande qualidade que se esforçam para estar jogando sempre de dois em dois dias.

"Isso tem que nos fazer refletir. É uma vergonha, é insano. Enquanto eu estiver aqui, vão me ouvir sempre dizendo isso. É a minha opinião. Tudo que eu falo, tem uma única intenção: tornar o jogador melhor, o futebol brasileiro melhor. Se quiserem ouvir, ouçam, se não quiserem, é igual”.

O desabafo mais enfático do treinador português Abel Ferreira, em novembro do ano passado, antes de o Palmeiras levantar mais um troféu nacional, encontra pouco eco nos outros treinadores do Campeonato Brasileiro.

Alguns também reclamam, mas de forma mais comedida e pontual, indicando a falta de tempo para os treinos. Foi o que fez Mano Menezes, ex-técnico do Corinthians, logo após perder o clássico para o São Paulo, em casa, pelo Campeonato Paulista deste ano. Esta foi a primeira vez que o time do Morumbi venceu na nova casa do rival. 

No início da temporada, inclusive, usando até Jurgen Klopp como exemplo – o treinador alemão do Liverpool também reclamou dos excessos de jogos na Inglaterra –, Ferreira voltou à carga, dizendo estar já meio conformado com a maratona brasileira, apesar de continuar não concordando com ela. “Temos que seguir assim”, afirmou em entrevista coletiva.

Levantamento feito pelo Flashscore mostra como 2024 vai ser ainda mais dramático para os treinadores dos times de elite que estão sempre brigando pelos campeonatos e pelas copas.

As chamadas datas FIFA reservam 10 jogos para a Seleção Brasileira neste ano, entre amistosos (quatro no primeiro semestre) e Eliminatórias da Copa do Mundo (seis enfrentamentos no segundo semestre).

Torneios encavalando o calendário

Uma questão bizarra é a Copa América, que será disputada entre 20 de junho e 14 de julho nos Estados Unidos. O campeonato de seleções vai ocorrer de forma simultânea ao Brasileirão. Pelo menos seis rodadas do campeonato nacional serão impactadas. Ou seja, 18 pontos em disputa que, provavelmente, serão decisivos ao final do ano.

Se o Brasil se classificar – o Pré-Olímpico está sendo disputado na Venezuela – os Jogos Olímpicos também vão ocorrer em paralelo a três rodadas do Brasileirão e a uma rodada, já eliminatória, da Copa do Brasil.

Por mais que os times não sejam obrigados a liberar seus atletas para a competição de Paris, sempre existe aquela polêmica em relação à vontade do jogador. Quem não quer entrar para história com uma medalha de ouro pendurada no peito?

"Aceito que o calendário do futebol mundial seja agitado, mas esta é uma competição que vai acontecer a cada quatro anos. É claro que o período de descanso durante e depois da competição precisa ser respeitado. O bem-estar dos jogadores nos últimos 20 anos também mudou drasticamente quando se olha para a prevenção de lesões, para o trabalho de recuperação e para a nutrição e os avanços na tecnologia médica.

"O cenário hoje é irreconhecível em relação ao que costumava ser. Além disso, o VAR ajudou na proteção, pois eles sabem que não podem escapar de punições ao fazer faltas duras que causem lesões em outros atletas. Portanto, no geral, houve enormes melhorias no lado do bem-estar e queremos continuar com este progresso". 

As palavras do ex-treinador Arsene Wenger, atualmente chefe do departamento de Desenvolvimento Global da FIFA, dão a letra. O ano de 2025, por causa do novo mundial de clubes da FIFA, com os seus 32 times, a ser disputado no verão europeu, será até mais complicado que o atual.

Principalmente para Flamengo, Palmeiras e Fluminense, que já estão classificados para a competição. Outros times brasileiros ainda podem entrar pelo ranking da CONMEBOL. O novo torneio e a sua nova roupagem será realizado entre 15 de junho e 13 de julho do ano que vem, também nos Estados Unidos.

Aquecimento que pode ser prejudicial

Tanto a Copa América deste ano quanto o Mundial do ano que vem servirão para os americanos se prepararem para a Copa do Mundo em 2026. “É uma falta de consideração para a saúde mental e física dos jogadores que vão participar”, afirmou a FIFPRO, uma espécie de federação mundial de atletas que afirma representar mais de 65 mil jogadores.

No Brasil, os sindicatos não divulgaram uma posição oficial. A situação é ainda mais dramática para os jogadores de alto nível na Europa. Tanto em 2025 quanto em 2026, jogos oficiais tendem a invadir as férias de verão dos jogadores que trabalham no hemisfério norte.

“A FIFA continua a sua prática ilícita de tomar decisões unilaterais no calendário do futebol mundial, demonstrando total desrespeito pela importância dos campeonatos nacionais e da comunidade do futebol em geral”, afirmou os diretores de La Liga quando do anúncio do novo mundial no ano passado. O comunicado dos dirigentes espanhóis – uma das ligas onde os clubes detém o poder – foi além. 

“A FIFA negligencia completamente os danos econômicos que estas decisões infligem às ligas de todo o mundo. As ligas não foram consultadas sobre nenhuma das alterações hoje apresentadas, especialmente sobre a nova competição anual de clubes, da qual desconhecemos completamente e que afeta gravemente as nossas competições.

"Estas decisões não levam em conta o impacto competitivo, desportivo e econômico nas ligas, nos clubes e dos jogadores, sobrecarregando ainda mais um calendário já sobrecarregado." Os dirigentes de La Liga até ameaçaram entrar na Justiça contra a FIFA e o novo mundial, algo que não ocorreu até agora.

No caso dos clubes brasileiros, se o Mundial com 32 clubes fosse disputado esse ano, eles teriam que compensar, em outros momentos, oito rodadas só do Campeonato Brasileiro.

Ou será que a CBF vai dar um mês de folga para todos os times da Série A em 2025? O tema ainda não tem uma decisão oficial. Assim como a questão do enxugamento dos estaduais, tipo de competição que só existe no Brasil e come, pelo menos, parte da pré-temporada dos times da elite brasileira.