Exclusivo: Vicente Del Bosque fala sobre Ronaldo Fenômeno e seu sucesso como técnico de Real Madrid e Espanha

Publicidade
Publicidade
Publicidade
Mais
Publicidade
Publicidade
Publicidade

Exclusivo: "Ronaldo Fenômeno era um dos jogadores mais felizes", diz Vicente Del Bosque

Vicente del Bosque treinando com a Espanha em 2010
Vicente del Bosque treinando com a Espanha em 2010Profimedia
Vicente del Bosque, treinador que ganhou todos os maiores títulos possíveis no futebol, falou com exclusividade ao Flashscore sobre Ronaldo Nazário, sobre sua gestão de vestiário no Real Madrid e alguns segredos da Espanha campeã mundial.

Como jogador, Del Bosque marcou época no Real Madrid conquistando nove troféus entre 1973 e 1984, mas foi como técnico que o salamanquense entrou para a história.

Ele ganhou quase todos os troféus possíveis com o Real e a seleção espanhola: uma Copa do Mundo (2010), uma Euro (2012), duas Ligas dos Campeões (2000, 2002), dois títulos da LaLiga (2001, 2003), um Mundial de Clubes (2002), uma Supercopa Europeia (2002) e uma Supercopa da Espanha (2001).

Apenas a Copa do Rei e a Copa das Confederações escaparam de suas mãos.

Mestre em administração, o espanhol comandou com sucesso os vestiários estrelados dos Galácticos e da Fúria. Confira abaixo os segredos de Del Bosque:

Vicente del Bosque no sorteio da Copa do Mundo de 2014
Vicente del Bosque no sorteio da Copa do Mundo de 2014AFP

• Flashscore: Você concorda que seu nome é sinônimo de sucesso?

Vicente Del Bosque: Tive a sorte de estar em um clube que, como jogador e como técnico, sempre esteve no topo. É claro que também perdemos... mas, no final, isso faz parte da vida de um jogador ou técnico de futebol. Nem sempre se ganha, nem sempre se tem sucesso. No entanto, tive a sorte de estar em um clube como o Real Madrid, que, no final das contas, está sempre entre a elite.

• Quando o Real Madrid decidiu colocá-lo no comando do time principal em novembro de 1999, a equipe tinha acabado de perder o clássico da cidade e estava em 11º lugar na LaLiga. Quais foram as primeiras ferramentas que você colocou em prática para mudar a situação?

Tivemos de administrar o que chamo de "pobreza", em um momento em que o time estava em uma posição muito ruim. Em outros momentos, tivemos de administrar a "riqueza", por exemplo, quando assumimos a seleção de Luis Aragonés campeã europeia.

Como treinadores, o que tentamos fazer em momentos difíceis - como no meu caso, em novembro de 1999 - é criar as bases que nos dariam não resultados imediatos, mesmo que esse fosse um objetivo, mas, acima de tudo, as ferramentas para olhar para o futuro com bons olhos.

Infelizmente, tivemos um início muito ruim e, ainda assim, acabamos nos tornando campeões europeus... Estou mais interessado nesse gerenciamento, nessa "riqueza" e "pobreza" que um técnico precisa saber ler.

E, além dessas duas grandes facetas ou tarefas que cabem a um técnico, há as relações humanas entre os jogadores, a criação de uma atmosfera saudável, um ambiente de trabalho forte. É isso que sempre tentamos alcançar, é algo em que sempre acreditei. Eu sabia que, se conseguíssemos isso, estaríamos mais perto do sucesso.

Del Bosque com a Copa do Mundo em 2010
Del Bosque com a Copa do Mundo em 2010Wikimedia Commons

• Na LaLiga, aquela equipe só conseguiu subir para o quinto lugar. Até hoje, essa foi a última vez que o Real Madrid ficou fora da zona de classificação para a Liga dos Campeões. E foi nesse cenário que o oitavo triunfo europeu do clube chegou. Como você explica isso?

Uma das chaves (para vencer a Champions) foi a tática, desde as quartas de final até a final. Mudamos algumas coisas. Tentamos fortalecer nossos laterais, para dar mais liberdade a Michel Salgado e Roberto Carlos, então jogamos com três zagueiros experientes.

Depois, tínhamos um meio-campista na frente, um jogador como Fernando Redondo, que precisava estar sozinho, para manejar e controlar a bola.

No final, nos adaptamos perfeitamente aos jogadores que tínhamos. Demos liberdade a Raul... Em resumo, acho que tivemos a sorte de ter um bom grupo e gradualmente os conduzimos a um objetivo comum, tentando levá-los na direção certa para que nos tornássemos uma equipe.

Em 2002, o Real Madrid conseguiu contratar Ronaldo Fenômeno. Conte-nos sobre o seu relacionamento com o brasileiro - eu me lembro do abraço que você deu nele depois em um jogo contra o Valencia.

Em primeiro lugar, o detalhe do abraço foi porque naquela mesma tarde eu havia perdido minha mãe. Mas quando falo do Ronaldo, a primeira coisa que me vem à cabeça é que ele é uma pessoa feliz.

Acho que ele é um dos jogadores mais felizes que já tive sob meu comando, e quem éramos nós, como técnicos, para interferir em sua felicidade?

Sempre o apoiamos, como fazemos com todos os jogadores. Sempre nos certificamos de que eles se sentissem à vontade, e acho que ele foi um dos jogadores que se sentiu mais à vontade... Ele é um jogador especial - gentil, agradável e feliz.

• Você sempre teve uma boa reputação em relação ao gerenciamento do vestiário. Seu primeiro astro a se juntar ao time foi Nicolas Anelka, na época a contratação mais cara da história. Como administrou essa situação?

No final, ele se tornou um jogador muito importante para nós. O que aconteceu foi que ele passou por alguns momentos difíceis em termos de sua integração. Ele era um bom rapaz e uma pessoa muito boa, e nós gostávamos muito dele, mas ele veio de outro país, de outra cultura e, em resumo, teve um pouco de dificuldade para se adaptar, a ponto de achar que ficávamos felizes quando ele não marcava gols.

Tivemos de dizer a ele que não nos importávamos se era (Fernando) Morientes que marcava um gol, se era Raul, se era ele ou se era qualquer outra pessoa... O importante para nós era formar uma equipe e tentar vencer. E ele foi, como você disse, decisivo na conquista dessa oitava Champions.

Em suma, foi um período difícil para o clube. Mudanças de técnico em qualquer clube são sempre muito desconfortáveis... ainda mais para um clube como o Real Madrid, que sempre tentou ter estabilidade institucional e esportiva.

Del Bosque e Nicolas Anelka
Del Bosque e Nicolas AnelkaAFP

• Na temporada 2001/2002, o ano da nona Liga dos Campeões, você tinha outro problema para resolver, o do goleiro. Quais foram os motivos que o levaram a substituir Iker Casillas por César, e você acha que foi a decisão certa hoje?

Não me arrependo do que aconteceu. Foi uma questão de administrar um vestiário e uma equipe que, na época, pareciam ideais.

Isso também aconteceu com a seleção nacional, onde três goleiros poderiam ter sido titulares: Iker Casillas, Victor Valdes e Pepe Reina. Mas pudemos contar com Iker por muitos anos.

Na época, fizemos tudo pensando nos interesses do clube e da equipe.

• E, no final, o Real Madrid conquistou sua nona Champions graças a Iker Casillas, com suas defesas no final do jogo

Sim, com certeza. Ele tem a reputação de ser um grande goleiro, e ele é extraordinário, mas também tem aquele toque de sorte que todos os grandes jogadores precisam ter.

Iker era um excelente goleiro, mas ele também tem aquele toque de sorte que faz toda a diferença. É por isso que ele ficou no clube por tantos anos.

• E você também venceu graças a Zidane, que teve um começo difícil no Real. Foi fácil treinar Zinedine Zidane?

Ele tinha uma habilidade enorme, era um grande jogador. Queríamos encontrar um lugar onde ele se sentisse o mais confortável possível e onde pudesse ser mais eficiente para a equipe. Acho que conseguimos fazer isso.

Quando eu disse anteriormente que sempre achamos que os jogadores deveriam se sentir confortáveis no Real Madrid, a ideia era que, depois de seis, sete, oito temporadas no Real, eles dissessem a si mesmos: "O clube me acolheu, ganhamos, mas também me senti à vontade onde joguei, me senti à vontade para treinar todos os dias".

Acho que essas são coisas que os jogadores não esquecem e que o técnico deve levar em conta.

• Muitos criticaram seu conhecimento tático ao longo de sua carreira. O que você tem a dizer para os céticos a esse respeito?

Bem... Quando um técnico vence, ele recebe todos os elogios do mundo. O que quer que os críticos digam, ele sempre estará certo.

Tivemos um jogo contra Portugal (em 2010) em que tivemos muita dificuldade e decidimos colocar um centroavante, (Fernando) Llorente, que jogou apenas alguns minutos. Ele jogou meia hora, mas para nós é como se ele fosse um jogador a mais que nos ajudou a ganhar o troféu, porque ele teve um impacto muito grande naquele jogo.

Confira as próximas partidas da Espanha

• Você se lembra por que escalou Pedro na final da Euro contra a Alemanha?

Quanto a Pedro, havia (Phillip) Lahm na nossa frente, o lateral-direito do Bayern de Munique que era uma ameaça, então o que fizemos? Bem, em vez de dar a ele alguém que ele pudesse controlar facilmente, decidimos dar a ele um jogador que seria mais um incômodo.

Acho que, com esse tipo de coisa, quando você ganha, isso prova que você está certo. Mas o mais importante é o que fizemos e o que achamos que era melhor para a equipe.

• Foi fácil gerenciar essa geração de jogadores com os quais você ganhou a Euro? 

Sim. Em primeiro lugar, porque eles tinham acabado de ganhar a Euro 2008. Tratamos bem o ex-técnico, tanto os jogadores quanto nós mesmos, e aos poucos eles se adaptaram a nós e tivemos oito anos de bons resultados.

Lembro-me de como eles se comportaram bem durante esses oito anos. Jogamos 114 partidas, e em todas elas apenas um jogador foi expulso, Gerard Piqué, em uma ação mais de impotência do que de mau comportamento. E essa é uma das coisas com as quais podemos ficar satisfeitos, pois eles sempre se mostraram excelentes esportistas.

A equipe da Espanha 2010 durante o treinamento na África do Sul
A equipe da Espanha 2010 durante o treinamento na África do SulAFP

• Muitas pessoas, inclusive você, costumam falar sobre a importância da integração de Sergio Busquets à sua seleção em 2010, mas o que você pode dizer sobre a chegada de Xabi Alonso?

Tínhamos muita confiança nesses dois jogadores, Sergio e Xabi, porque tínhamos a sensação de que eles eram jogadores de equipe e em uma área que é vital para todos: o meio-campo. É lá que tudo entra em jogo, tanto defensiva quanto ofensivamente.

Houve uma época em nossa história em que Xabi Alonso era o jogador que marcava mais gols. Quero dizer com isso que ele não era um jogador estático, era muito dinâmico e também tinha uma grande inteligência para o jogo. Se tínhamos uma convicção na época, era a de que Xabi Alonso e Sergio Busquets tinham de jogar.

• Você está surpreso com o sucesso que ele está tendo como técnico do Bayer Leverkusen?

Em primeiro lugar, estou muito feliz por todos aqueles que agora são treinadores. Xavi Hernandez também, por exemplo. Eles estão em bons times.

Nem todo mundo que foi um bom jogador é necessariamente um bom técnico, mas, no caso deles, acho que eles têm um conhecimento muito bom do jogo e do que precisam fazer como técnicos.

• Depois de ganhar tudo isso, veio a Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Olhando para trás, você cometeu algum erro naquele ano? Teve de respeitar os jogadores mais velhos que deram tanta glória à Espanha até o último momento possível?

Nunca sabemos onde está o antes e o depois dos jogadores. Hoje, o Real Madrid está enfrentando um antes e um depois de (Toni) Kroos e (Luka) Modric; é claro que todas as opiniões são válidas, mas a realidade é que os desempenhos de Kroos e Modric no momento são impressionantes.

Naquela época, tínhamos jogadores que atuavam regularmente em seus clubes e da melhor maneira possível. Quem éramos nós para dizer que eles não estavam prontos para a seleção? É verdade que tínhamos jovens chegando na época, mas a realidade é que eles tiveram a oportunidade de se integrar gradualmente à equipe.

Essas transições são, em última análise, muito difíceis de gerenciar. A conclusão foi que tínhamos ideias muito fixas, talvez isso seja um defeito, mas, na época, achamos que era a melhor coisa a fazer pela equipe.

• Qual é a sua opinião sobre a possível transferência de Kylian Mbappe para o Real Madrid e você acha que ele é capaz de causar impacto na Espanha?

Ele é um grande jogador, mas está chegando a um time que está jogando muito bem no momento. Ele deve melhorar o que já existe, mas tenha cuidado... O Real Madrid tem uma equipe muito boa. Não devemos subestimar os que estão lá.

Ele chegará a uma equipe bem estabelecida e pronta para jogar, mas, sim, não há dúvida de que ele trará seu toque extra.

• Dizem que Carlo Ancelotti é muito parecido com você. Você acha que ele é o melhor técnico para lidar com o vestiário estrelado do Real?

Do lado de fora, tenho a impressão de que eles têm um grupo saudável de jogadores, um bom grupo. Todos se dão bem, o que é muito importante. E, é claro, a maneira como Carlo administra a equipe é ideal, e ele faz isso muito bem.

Sou a favor desse gene, de administrar um vestiário como esse. Não estou dizendo que essa é a única maneira de gerenciar um vestiário. O que é fundamental é que você torne o ambiente de trabalho ideal. É disso que estávamos falando antes. Sem isso, é difícil vencer.

Siga a LaLiga no Flashscore